segunda-feira, 10 de março de 2008

Mudança

Tenho a cabeça pesada como as caixas em que ergo minha vida pronta, anteriormente criada.


Os sacos pretos não escondem a alma insolente, ela transparece diante do mínimo toque. É malcriada, vadia. A qualquer sinal de intromissão, ela vomita suas vontades insalubres, podres.


É o lixo estocado pelos anos de pálpebras cerradas que a faz trancafiar-se em plásticos escuros. E logo ele será jogado fora, como se nunca tivesse sido útil. As memórias não cabem nas caixas de papelão. Carrego-as pelas costas, como um fardo, com um cansaço de quem tem a função habitual e assalariada de lembrar-se.


As escadas a que me acostumei não são suficientemente íngrimes e os degraus são baixos demais.



Tudo muito apertado para a amplitude da minha defesa.


Toda mudança é baixa. É baixa para que possa crescer.
E silente para que possa tornar-se.

O tédio, na sacada que poderia existir, é só meu.
E a cama quente, ao tentar confortar a cabeça-mãe, atormentada por preocupações cotidianas, afoga as esperanças de uma mente vã e mesquinha, que, agora, só quer saber de se ausentar.


Os sonhos já não são meus: foram-me preparados para que, dormindo, eu os tivesse em contemplação tardia, mas real. Meu inconsciente tornou-se consciente de si. Fumaça do meu ego.
As escolhas foram-me matematicamente projetadas, sem que, ao menos, eu as desejasse. E são fiscalizadas, dia-a-dia, pelo patrão ao lado, para que não nasça nenhum erro psico-social.


Torna o tempo a traduzir-se em perda e a última porta trancada me espera.


É a porta de madeira entre a separação e o adeus. Não tenho a chave.

É assim que vivo: esperando que alguém abra a porta, completamente, para mim
.