terça-feira, 10 de junho de 2008

Naufrágio

Eu sabia que não seria fácil.

Havia em mim uma propensão para a metade.

Livros pela metade, amantes pela metade, filha pela metade, amiga pela metade, Milena pela metade. Direção para o medíocre.

Mas para ele seria diferente...

Deitada sobre as costas do que penso, edificava um universo em mim.

Pensava nos espaços a percorrer; na distância entre as nuvens que, como quebra-cabeças, dispunham-se lado a lado, encaixando o céu imenso; no que poderia acontecer se acaso a hora de tédio fosse embora e novas horas tristes e infinitas tornassem a me invadir.

Boiava suavemente nas águas de uma cidade que não era minha e deixava meu corpo despertar sobre um lago de estranhas incertezas.

Sem relógios de pulso, a cada respiração imaginária caía sobre mim a noite escura e as margens do lago diminuíam: sentia frio. Tive medo. Vivia como quem esperava.

O lago transbordou e atingiu meu quarto. Afoguei-me na cama e, em noites de pouco sono, ainda sofro com pesadelos ribeirinhos.

Sinto que, como no jogo, minha respiração tem duração determinada.

O ar que me consome quer partir.

E quem é esse menino que não me quer deixar afundar?

Na verdade, nem sei se quero sabê-lo.

Sem botes ou colete salva-vidas, procura um remo perdido em mim.

Tem postura cubista, de Picasso brasileiro. Ronda com seu olhar satisfeito, de herói andarilho, os caminhos que não tenho. É de cabelo estreito, o que me agrada muito. Pouca fala, muito riso e um perfume de mistério que eu não consigo desvendar.

"O nosso sonho de viver ia adiante de nós, alado, e nós tínhamos para ele um sorriso igual e alheio, combinado nas almas sem nos olharmos, sem sabermos um do outro mais do que a presença apoiada de um braço contra a atenção entregue do outro braço que o sentia."

Éramos como areia e mar: próximos por avançarmos um no outro, distantes porque queríamos demais. Duna tentando virar deserto. Onda tentando encobrir: fugia de mim e depois voltava e tornava a fugir.

Vivíamos felizes pelas manhãs de domingo e esperançosos pela madrugada ligeira. Vagávamos pelas ruas e sabíamos mais do que a cidade. Nossos olhos perguntavam-se o que haveria depois e ensaiávamos curtos silêncios entre os beijos e a vontade.

Tudo parecia me afetar novamente. O amanhecer soava-me como aproximação e o frio fazia sentido em minha cama, agora livre de enchentes. O sol acalmáva-me e não havia nada mais belo que ver as folhas caindo, numa manhã de quarta, sobre meus pés gelados, descalços, prestes a correr pela calçada da minha vida.

Não sei o que sinto e o que me espera depois. Não quero pensar no depois.

Tento vencer o presente, sem tropeçar pelas sarjetas.

Não gosto de praias, nem de desertos, mas tenho uma imensa vontade de naufragar naquele verde mar, só eu... pó... e mais ninguém.