terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pressentimento

Ai....ardido peito




Quem irá entender o seu segredo




Quem irá pousar em teu destino




E depois morrer de teu amor?





Ai....Mas quem virá?




Me pergunto a toda hora




E a resposta é o silêncio




Que atravessa a madrugada





Vem meu novo amor




Vou deixar a casa aberta




Já escuto o teus passos




Procurando pelo abrigo




Vem que o sol raiou




Os jardins estao florindo




Tudo faz pressentimento




Esse é o tempo anseado




De se ter felicidade

domingo, 13 de novembro de 2011

Amizade Estelar (Aforismo 279 - A Gaia Ciência - Nietzsche)

Éramos amigos e agora somos estranhos um ao outro.

Mas não importa que assim o seja: não procuremos escondê-lo ou calá-lo como se isso nos desse razão para nos envergonhar.

Somos dois navios, cada qual com o seu objetivo e a sua rota particular; podemos nos cruzar, talvez, e celebrar juntos uma festa, como já o fizemos - e esses corajosos barcos estavam lá tão tranqüilos, debaixo do mesmo sol, no mesmo porto, que se teria acreditado que tinham alcançado o objetivo, o mesmo destino.

Mas a onipotência das nossas tarefas separou-nos em seguida, empurrados para mares diferentes, debaixo de outros sóis - e talvez nunca mais nos voltemos a ver: mares diferentes, sóis diversos nos mudaram!

Era preciso que nos tornássemos estranhos um ao outro: era a lei que pesava entre nós: é exatamente por isso que nos devemos mais respeito. Para que a idéia da nossa antiga amizade se torne ainda mais sagrada!

Há provavelmente uma formidável trajetória, uma pista invisível, uma órbita estelar, sobre a qual os nossos caminhos e os nossos objetivos diferentes estão inscritos como pequenas etapas: elevemo-nos até este pensamento!

Porém a nossa vida é demasiado curta e a nossa vista demasiado fraca para que possamos ser mais que amigos, no sentido em que o permite esta sublime possibilidade... Acreditemos, então, na nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Canção Póstuma - Cecília Meirelles

Fiz uma canção para dar-te;

porém tu já estavas morrendo.

A Morte é um poderoso vento.

E é um suspiro tão tímido a Arte...


É um suspiro tímido e breve

como o da respiração diária.

Choro da pomba. E a Morte é uma águia

cujo grito ninguém descreve.


Vim cantar-te a canção do mundo,

mas estás de ouvidos fechados

para os meus lábios inexatos

- atento a um canto mais profundo.


E estou como alguém que chegasse

ao centro do mar, comparando

aquele universo de pranto

com a lágrima da sua face.


E agora fecho grandes portas

sobre a canção que chegou tarde.

E sofro sem saber de que arte

se ocupam as pessoas mortas.


Por isso é tão desesperada

a pequena, humana cantiga.

Talvez dure mais que a vida.

Mas à Morte não diz mais nada.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Tabacaria - Fernando Pessoa

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Irreparável ausência - texto publicado no Jornal da Cidade de Bauru em 02/11/2011

Toda separação é uma espécie de morte. É morte porque pressupõe enterro, memória e dor. Enterra-se todo um universo de possibilidades e prazeres; enterram-se sonhos e sentimentos que se insinuavam eternos; enterra-se a si mesmo. A cabeça se volta para as lembranças de uma vida que já não existe mais, e o martelo da memória é insistente e desesperador. Ele teima em nos acompanhar. A dor é tamanha que até existir pesa. E como é pesada a carência, a falta que alguém nos faz!




É como se um pedaço da alma fosse milimetricamente extirpado. É como se a águia do mito de Prometeu viesse nos visitar todos os dias, arrancando de nós o que houve e há de melhor. E não há enxerto que substitua essas incisões. Não há cirurgia plástica que corrija a cicatriz de uma grande perda.




Cedo ou tarde, a marca da separação exibe os seus aspectos mais asquerosos, negativos, revela, definitivamente, o fim. Impõe-nos à habitualidade da ausência e à um resquício de culpa e punição, como se fossemos, nós, os homicidas do amor. Cada segundo que passa é um tormento a menos de saudade. Cada dia, cada mês, cada ano que transcorre é um caco a mais para se juntar ao que foi partido. E amar dilacera porque implica justamente na convivência diária e direta com a possibilidade decisiva do fim, ainda que se trate de um final cuidadosamente planejado.




Assim como a separação é semelhante à morte, o processo que nos encaminha em tal direção é como uma doença crônica, que se instala sorrateiramente, sem avisos, sem previsões e precedentes, sem diagnóstico ou cura. Induz-nos ao inconformismo revoltante: é a injustiça por excelência.




A irreversibilidade de um fato, a sentença última, é que torna o luto da separação um rito de passagem permanente, em que o hábito do sofrer se torna o medicamento que o leva adiante; a rotina torna-se o maquinário hospitalar que o ajuda a respirar todos os dias, e que o faz lembrar, às vezes, que ainda se vive, mesmo sem ele (a), mesmo sem amor.



E eu falo, nesse momento, de todos os tipos de amor. Se é que se pode classificar o amor. Porque viver nada mais é que amar, perder e morrer. Só ganhamos algo temporariamente; só há acréscimo, plus de vida, quando nos doamos em união. Quando lançamos mão de toda a nossa capacidade de amar, de querer bem, de ensinar e aprender, de crescer e construir mundos, levantar sonhos, compartilhar sorrisos na identidade recíproca do mais belo sentimento; no cuidado, carinho e segurança de saber que não se está só.




Não se deixem enganar pela enfermidade do afastamento. Ele é traiçoeiro e fatal. A finalidade, o sentido da vida é aquilo que fazemos dela. E o que mais vale é criarmos nosso sentido vital sem que, acima de tudo, nos afastemos de nós mesmos: o amor maior e primeiro.




A pior separação, a morte terrível é aquela que ocorre consigo mesmo. Quando nos dividimos e nos perdemos nos labirintos de uma individualidade distante, sem volta, sem retorno. Não há esperança para aqueles que se abandonam, e só agora eu enxergo que cada gesto não realizado, cada palavra não dita em tempo, cada afeto não compartilhado é que é, de fato, o cadáver que assombra, o verbo definitivo, o erro imperdoável, o irreparável.

Na Noite Terrível - Fernando Pessoa


Na noite terrível, substância natural de todas as noites,

Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,

Relembro, velando em modorra incômoda,

Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.

Relembro, e uma angústia

Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.

O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!

Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.

Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.

Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,

Na ilusão do espaço e do tempo,

Na falsidade do decorrer.


Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;

O que só agora vejo que deveria ter feito,

O que só agora claramente vejo que deveria ter sido

— Isso é que é morto para além de todos os Deuses,

Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver ...

Se em certa altura

Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;

Se em certo momento

Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;

Se em certa conversa

Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro —

Se tudo isso tivesse sido assim,

Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro

Seria insensivelmente levado a ser outro também.

Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,

Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;

Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;

Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,

Claras, inevitáveis, naturais,

A conversa fechada concludentemente,

A matéria toda resolvida...

Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.


O que falhei deveras não tem esperança nenhuma Em sistema metafísico nenhum.

Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei,

Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?

Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.

Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,

Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca

Como uma verdade de que não partilho,

E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p'ra mim.