quinta-feira, 8 de maio de 2008

Que espetáculo coerente, esse, o dos meus compatriotas!

Começam por devolver a hostilidade que lhes foi atribuída pelas tardes de piadas estúpidas.
Concentram-se, emitem ruídos sem sentido, conversas de sei lá o quê, risos de ignorância e fim.
Dançam nos quartéis da indiferença, rodopiam com gestos grosseiros, ensaiam palavras tolas e jorram repugnância, esses transeuntes de si.
O texto é deplorável e a atuação decadente.
Atores de quinta, eu sei.

Mas quero limpar o palco e não consigo.
A cortina vermelha pesa e não quer fechar.
O tempo não quer encerrar.
Os bilhetes continuam a venda.

Sentada na poltrona da frente, prisioneira do quartel, fecho meus olhos, tapo os ouvidos e tento respirar a gratuidade da fumaça que é o único elemento verdadeiro no ambiente.
Os pulmões ressentem, o estômago induz.

Não tenho mais espírito para o que não for verdadeiro.
Essas farsas já não me apetecem.
Acabo por vomitar.

Acordo e noto que estou deitada, em segurança, no meu quartel horizontal.
Sonhei?
Escovo os dentes e o espetáculo recomeça, incansável, interminável,
nessa fuga rotineira do teatro da salvação.

Enceno pequenas tragédias, componho algumas peças e corro para o sono da justiça.


Como vício, tenho meus cães: livros, fiéis amigos, a quem ouso julgamentos e trocadilhos.

Não é a toa não ter escolhido a infantaria.
Não participo da guerra do ilusionismo.
Não tenho alma ou arma para marchar.
Gosto dos terrenos altos, sem condições para soldadinhos e combates rítmicos. Sou minha própria legião, atiro para acertar.

Mas ainda prefiro o teatro à trincheira.


O palco ao campo de batalha.

Represento para fuzilar.

Quem, comandante, exerce força maior?


Eis o poder de interpretar!