quinta-feira, 29 de abril de 2010

Continuação - Empédocles de Agrigento

2. A Cosmologia Empedocleana: a physis do ponto de vista plural
2.1. De certo modo, a filosofia da natureza de Empédocles poderia ser considerada uma espécie de resumo da cosmologia dos jônios que o precederam. Em “Sobre a Natureza” - tema comum entre os pré-socráticos - Empédocles parece nos apresentar uma visão do processo cosmogônico que constitui um desenvolvimento e uma modificação da linha de investigação iniciada pelos milesianos. Seu principal interesse é o mesmo de seus antecessores: investigar, de maneira ampla e plausível, a natureza que o cerca. Entretanto, Empédocles parece se opor ao ponto de vista dos eleatas, em relação ao uso exclusivo de uma razão que afirma a unidade do ser e que nega a legitimidade racional da multiplicidade e do movimento. Tal era a postura de Parmênides. Por sua vez, Empédocles altera essa concepção, como veremos em seguida.

2.2. Segundo Marcio H. Pereira, buscamos demonstrar que Empédocles teria herdado aspectos míticos do aedo arcaico, acrescentando a eles aspectos místicos da religião órfico-pitagórica, e que sua filosofia estaria em estreita relação com ambos os aspectos sagrados. Num primeiro momento observamos que Empédocles, influenciado pela noção parmenidiana de que o Universo repousa sobre o amor e a unidade do todo, a modificou e acrescentou a idéia de multiplicidade e separação, além da imagem teórica da Esfera. O fragmento 27 trata exatamente deste contexto em que Empédocles nos revela a harmonia do Spherus, numa suposta solidão circular. O aspecto concernente à Esfera será tratado com maior profundidade num momento posterior.
Não obstante, haveria um sistema dialético no trajeto de antítese à esta harmonia inicial descrita com a sublevação da discórdia. Os fragmentos 30 e 31 mostram que todos os membros foram agitados, até mesmo os divinos. E por fim, o fragmento 35 evidencia os períodos intermediários, de onde podemos perceber a circularidade dos eventos éros e neikós em relação a constatação das coisas no tempo. (Os fragmentos serão dispostos nos próximos posts).

2.3. A conciliação entre razão e sentidos conduz à substituição do monismo corporalista pelo pluralismo. Então, finalmente, o universo poderia ser compreendido como resultado de quatro raízes: a água, o ar, a terra, o fogo. Todos os elementos seriam governados pela isonomia; nenhuma raíz seria mais importante ou mais primitiva em relação às outras, pois todas são eternas e imutáveis:
“Não há em absoluto nascimento (physis) para todas coisas mortais, nem fim, na detestável morte; mas somente mistura e distinção das coisas misturadas, é isso que os homens chamam physis” .

3. A formação e as influências das doutrinas órfico-pitagórica e dos filósofos eleatas na constituição do pensamento de Empédocles de Agrigento
3.1. A religião exerceu uma profunda influência na gênese da filosofia grega, e, por conseqüência, na filosofia ocidental. Mas quando falamos em religião helênica, faz-se necessário distinguir a religião pública (que teve seu modelo na representação dos deuses e do culto que foi legado por Homero, e adotada pela maioria da população pela sua simplicidade explicativa dos fenômenos naturais e humanos, antropomorfizando-os) e a chamada religião dos mistérios.
Apesar de serem religiões com pontos em comum, há importantes diferenças entre estas duas formas de religiosidade (como, por exemplo, a concepção de homem, do sentido da vida e o destino último da alma humana). Neste aspecto encontra-se nosso maior interesse, pois a religião derivada de Homero – o denominado dionisismo – nos traz um “Deus que toma a alma” e em cuja doutrina não há noção de imortalidade.
Já no Orfismo, que é de origem asiática, temos a noção de imortalidade e de metempsicose, que de Pitágoras em diante vamos percebendo como uma praxe entre as supostas teorias da alma. Assim sendo, ambas as formas de religiosidade são fundamentais para a gênese da filosofia grega, mas a segunda forma se destaca muito mais no presente momento que a primeira.
Neste sentido pretendemos realizar uma breve abordagem sobre o orfismo, as influências egípicias e o pitagorismo no pensamento de Empédocles. Vejamos.

3.2. Afirma Autiveres Maciel que Empédocles tinha de si a seguinte idéia: ele era “um homen que fazia parte daqueles que foram condenados a viajar na errância durante vários anos, atravessando eras, períodos de vida, reencarnações sucessivas, a ponto de adquirir um certo saber de todo os ciclos de seres” . O conteúdo e estilo de sua poesia revela um homem de imaginação, versatilidade e eloqüência, com um toque de teatralidade. A junção, um pequeno aglomerado de elementos comuns que antecederam a vida de Empédocles no cenário pré-socrático, o constitui. Talvez alguns dos traços do Empédocles histórico tenha realmente sido capturado no retrato colorido da tradição biográfica. As lendas, as biografias apócrifas, não conquistaram apenas os estudiosos do tema, mas têm continuado a despertar a curiosidade e imaginação atuais: Empédocles foi o herói do drama romântico dos poemas de Holderlin e Matthew Arnold, e de outras obras literárias. Teria ele se lançado ao Etna para comprovar sua origem divina? Seria xamã? Médico? Político? Rei?
Não sabemos. O que sabemos é o que nos restou.. alguns fragmentos e doxografias.
Leonel Franca afirma-nos que os poemas de Empédocles teriam apenas a intenção de conciliar a unidade e a imutabilidade do ser, ensinada, sobretudo pela escola eleática, com a pluralidade e o movimento local, evidentemente atestados pelo senso comum, momento em que, de fato, propõe a doutrina dos quatro elementos. Será?

3.3. Muitas tradições bibliográficas, nem todas possíveis do ponto de vista cronológico, fazem de Empédocles em discípulo de Pitágoras, de Xenófanes e de Parmênides. Parece-nos que ele imitara Parmênides ao escrever, em forma hexametral, o poema “Sobre a natureza”. Este poema, dedicado a seu amigo Pausânias, conforme encontramos no Fr. 1: “E, tu, Pausânias, filho do sábio Antiques, escuta-me”, continha cerca de 3.000 versos, dos quais chegaram até nós apenas uma quinta parte. Ele também escreveu um poema religioso, “Purificações”, do qual muito menos se preservou. É neste poema que encontraremos mais razões para estudar os indícios de uma noção de alma. Os estudiosos não chegaram a um consenso sobre a qual dos dois poemas devem ser agregados a maior parte das citações dispersas que sobreviveram – alguns, na verdade, julgam que os dois poemas sejam fragmentos pertencentes a uma única obra. Mas há controvérsias e tal questão neste exato momento não nos interessa tanto.

3.4. Peças adicionais desse quebra-cabeça textual foram recuperadas quando quarenta fragmentos de papiro foram identificados nos arquivos da Universidade de Estrasburgo em 1994 (“O Novo Empédocles”). Como poeta, Empédocles era mais fluente que Parmênides, além de mais versátil. Segundo Aristóteles, ele teria escrito um épico sobre a invasão da Grécia por Xerxes, e de acordo com outras tradições seria o autor de muitas tragédias. Assim como Pitágoras e os órficos, Empédocles defendia a transmigração das almas por meio de um longo ciclo de reencarnações, condicionado pelas conseqüências de alguma grave ofensa cometida (erro).

3.5. Quanto ao orfismo é de imensa relevância nossa inflexão a este aspecto, porquanto tal seita teria influenciado, juntamente com o pitagorismo, grande parte da filosofia posterior, até mesmo Platão, no que diz respeito, por exemplo, às posições relativas à alma humana, sua constituição, transição, etc.
O orfismo é um movimento religioso complexo onde se detectam influências dionisíacas, pitagóricas, egípcias, apolíneas e, obviamente, orientais. Teria sido fundado por Orfeu, um herói lendário da Grécia arcaica e patrono da música. É importante aqui salientar o caráter monoteísta do orfismo, que representa uma ruptura importante com os mitos olímpicos advindos dos rapsodos homéricos.
Contudo, o rompimento mais radical com o mito homérico se dá no plano escatológico, ou seja, na ciência dos fins últimos do homem, naquilo que deverá seguir à vida terrestre. A descida ao Hades simbolizava uma espécie de "vida após a morte".
Desse modo, podemos compreender como a concepção órfica da imortalidade advém de um crime primordial: a alma está enterrada no corpo como se fosse um túmulo (soma-sema, que significa corpo-túmulo). Como conseqüência desse sepultamento, a existência encarnada se assemelharia mais a uma morte, e o falecimento constituiria o começo de uma verdadeira vida. Esta verdadeira vida não é obtida automaticamente; a alma será julgada segundo as suas faltas e os seus méritos (concepção moral?).
Após um certo período, a alma reencarnará e desencarnará novamente.
Trata-se de uma concepção cíclica, eterna, que só pode ser resolvida por meio da Purificação (ritual).

3.6. A influência egípcia (julgamento de Osíris e reencarnação) é inquestionável no orfismo. Nessa via-crúcis, de transmigrações, até mesmo em corpo de animais (metempisocose), a alma vai se purificando. Nesses intervalos reincarnacionistas a alma chega a demorar uns 1000 anos no castigo do inferno, onde sofre um ciclo de pesadas penas. Quando completamente purificada, sai desse ciclo de gerações para reinar entre os heróis. O destino, obviamente, não será o mesmo para os iniciados órficos e os profanos. O mortal comum, profano, deverá percorrer dez vezes o ciclo antes de escapar. Um artefato importantíssimo no orfismo são as “lamelas órficas”. São pequenas lâminas ou placas de ouro, descobertas na Itália meridional e na Ilha de Creta, e em túmulos órficos. São todas marcadas com o sinal secreto Y, até hoje um mistério. Delgadas e elegantes, enroladas sobre si mesmas, eram depositadas em pequenas placas hexagonais. Estas, presas a correntes de ouro, eram colocadas no pescoço dos iniciados, como talismãs, à maneira de passaporte para a eternidade. Numa das lamelas encontradas, estão incrustados versos de aconselhamento à alma do morto para sua viagem em direção ao Hades. Em lá chegando, o morto deve escolher entre o caminho da direita e da esquerda. “À esquerda da morada do Hades, tu encontrarás o Lago da Memória (Lethes), e os guardiões estarão lá. Diga-lhes... eu sou o menino da Terra e do Céu estrelado, mas estou morrendo de sede. Dá-me rapidamente a água fresca que flue do Lago da Memória”.
Para a alma que deve retornar a terra no intuito de reencarnar, essa água do Lethes tem por função não esquecer sua existência terrestre, mas eclipsar a recordação do mundo pós-morte. O orfismo assim reverte a função da água do Esquecimento pela nova doutrina da transmigração. O esquecimento não simboliza mais a morte, mas o retorno à vida. A alma que teve a imprudência de beber na fonte do Lethes reencarnará e será novamente projetada no ciclo do devir. Para aquelas almas que não precisam mais reencarnar, é aconselhado evitar a água do Lago da Memória e passar ao caminho da direita. E está escrito numa das lamelas: “Venho de uma comunidade de puros, ó puro soberano dos Infernos”.
Ao que Perséfone replica: “Saúdo-te, toma o caminho da direita em direção aos prados sagrados e aos bosques de Perséfone”. A sede da alma, comum a tantas culturas, configura não apenas o refrigério, pelo longo caminhar da mesma em direção a outra vida, mas sobretudo simboliza a ressurreição, no sentido da passagem definitiva para um mundo melhor. Se, para os gregos "os mortos são aqueles que perderam a memória", o esquecimento para os órficos não mais configura a morte, mas o retorno à vida.

3.7. Quanto ao pitagorismo, no entanto, observamos que as crenças pitagóricas não envolviam apenas números. Como a seita possuía caráter religioso, havia crenças que explicavam a existência ou não-existência humana, estudadas por eles numa suposta Filosofia. Os pitagóricos, ao que tudo indica, pregavam o corpo humano como o “túmulo da alma”. Quando o corpo (prisão) morria, a alma se libertava e renascia. Diziam que para manter a alma imaculada e limpa durante seu confinamento, não se poderia comer favas (vagens), galos brancos e alguns tipos de peixes, e não se podia apanhar qualquer alimento que caísse no chão.

3.8. Era, sobretudo, necessário manter a alma limpa. Assim, eles difundiram a noção de metempsicose ou transmigração da alma, cujo preceito teria por base informar que uma mesma alma poderia animar diferentes corpos, não importando se eram de origem vegetal, animal ou mineral. Este ciclo de reencarnações da alma teria por objetivo purificá-la - caso houvesse alguma maldade nela - para que, no final do ciclo, a alma pudesse alcançar o paraíso ou a Ilha dos Bem-Aventurados. Escreveram uma escatologia pitagórica, que é um tratado sobre as ações finais do homem ou de sua alma. Diz o tratado que “a alma, após a morte do corpo, está sujeita a um julgamento divino. Aquelas que forem perversas serão castigadas nos mundos inferiores e aquelas que forem boas, ou não possuírem maldade, alcançarão a Ilha dos Bem-Aventurados” .


***Anotações de aula:

Dionisismo: Aqui não há consciência do duplo. O deus apossa-se do sujeito. Deus faz do sujeito o que bem entender. As Bacantes. Tragédia de Eurípides. A Grécia abre-se para os festivais dionisíacos. Nestes festivais as estátuas são – EIDOLON. E se trata de um eidolon (aspecto - forma). Não se tendo em texto – Dionísio é o fundamento de todas as possibilidades de duplos possíveis. Ele é tudo e não é nada. Ele maldoso e benfazejo. Há vários dionísios. Depois dos festivais – todos vão para a floresta e copulam. Aproximação com o bacanal romano. Na Grécia arcaica tratava-se de um culto sagrado.

Orfismo: No orfismo o duplo possui certa lembrança posterior. Ser vivente é recipiente. Há também o "enthéos" e há a hierarquia dos iniciados. Por isso há rituais de iniciação. Ligação entre orfismo e pitagorismo. Os valores são muito fortes. É o modo de viver bem o aqui. Mistérios - é ao pé do ouvido. Ninguém se sabe como vai ser a ascese daquela pessoa. Processo de aprovação, e ao mesmo tempo – beberagem. “Produshcinell” afirma que na lírica já há indícios de uma interioridade. Há um certo rigor para aprovação do iniciado. O duplo pode, no orfismo, visitar a divindade. Em Parmênides – diferentemente do Orfismo - é o original mesmo que visita os deuses através do poema famoso sobre o ser. Homens e deuses não se misturam. O homem tem que saber os seus limites. Sócrates. O limite impediria de visitar placas divinas. Em Platão tenho a dialética que não me faz deus, mas abre o acesso de, racionalmente, agir como um deus. Os Órficos não inventaram a idéia de transmigração das almas. Diferenciar – pitagorismo, orfismo e pitagorismo-orfico. “Tudo esta em tudo”: pitagorismo. A leitura mais próxima dos pitagóricos é Aristóteles. A alma seria um duplo sui generis, porque poderia viver sem corpo.