terça-feira, 4 de maio de 2010

Continuação - Empédocles de Agrigento

4. As quatro raízes físicas de todas as coisas: água, terra, ar e fogo

4.1. O que Empédocles denominava “raízes” era aquilo que Platão e pensadores gregos posteriores chamavam stoitheia - palavra utilizada como sinônimo de sílaba. A tradução latina, elementum, da qual deriva nossa palavra “elemento”, compara as raízes não às sílabas, mas às letras do alfabeto. De qualquer forma, não se pode duvidar da relevância da abordagem dos elementos elencados por Empédocles.
Insta ressaltar que filósofos e cientistas atribuíram ao quarteto de elementos do pré-socrático em questão um papel fundamental na física e na química até o advento de Boyle, no século XVII. A natureza possuiria quatro elementos básicos, ou raízes: a terra, o ar, o fogo e a água. Não seria correto, portanto, afirmar que “tudo” muda. Basicamente, nada se altera. O que acontece é que esses quatro elementos diferentes simplesmente se combinam e depois voltam a se separar para então se combinarem novamente. O que, supostamente, une e desune os quatro elementos são dois princípios: o amor e o ódio. Os quatro elementos e os dois princípios seriam eternos e imutáveis, mas as substâncias formadas por eles seriam pouco duradouras: são os compostos mortais. Jostein Gaardner afirma que é possível que, quando, Empedócles tenha visto uma madeira queimar, teria percebido que alguma coisa ali se desintegra. Alguma coisa na madeira estala, ferve: é a água; a fumaça é o ar; o responsável é o fogo, e as cinzas são a terra.
O que dá origem aos já referidos compostos mortais são duas forças que atuariam nestas substâncias: o amor e o ódio. O amor agiria como força de atração e união, o ódio como força de dissolução. Aprofundemo-nos.

5. “Éros e Neikós”: como forças motrizes e enquanto dinâmica e efeitos na physis

5.1. Para Empédocles, o cosmos se desenrola num ciclo em que algumas vezes o Amor é dominante, e em outras é o Ódio. Sob a influência do Amor, os elementos se combinam em uma esfera homogênea [sphairos], harmoniosa e resplandecente, herdeira do universo de Parmênides. Sob a influência do Ódio, os elementos se separam, mas, assim que o Amor começa a ganhar o território que havia perdido anteriormente, aparecem todas as diferentes espécies de seres vivos. Todos os seres compostos, como os animais, as aves e os peixes, são criaturas temporárias que surgem e partem; somente os elementos são eternos, e somente o ciclo cósmico continua.

5.2. Ao compreendermos a filosofia de Empédocles, nos paraece que "nascer" e "morrer" não existem se entendermos o nascer e o morrer como um vir do nada e um ir para o nada. Ele parece pensar dessa forma porque acreditaria que o ser é e o não ser não é. Assim não existe o nascimento e a morte de algo. Para ele o que chamamos de nascimento e morte é simplesmente a aproximação e a separação de algumas substâncias. Essas substâncias são indestrutíveis e eternamente iguais. A água, o ar, a terra e o fogo são as substâncias que estão no princípio de todos os derivados e variantes. Elas são as substâncias mais simples das quais derivam todas as outras, são os elementos básicos que não mudam nunca sua qualidade. As quatro substâncias básicas se unem e se separam umas das outras formando todas as substâncias existentes.
Os quatro elementos da filosofia de Empédocles criam as coisas quando se unem e, quando se separam, destroem o que existia no momento anterior de união. A amizade ou o amor é a força cósmica que une os elementos e o ódio ou a discórdia causam a desunião e a conseqüente separação dos elementos. O destino é que alterna a predominância das duas forças que atuam sobre os quatro elementos em um tempo constante. Quando o amor ou a amizade é mais forte os elementos se juntam em uma unidade. E ao contrário, quando o mais forte é o ódio ou a discórdia os elementos se separam e se tornam multiplicidade.

5.3. Tanto os elementos como as forças que atuam sobre eles são divinos. Deus seria o Ésfero, a união de todos os elementos por meio do amor ou da amizade. Na fase em que o amor domina todos os elementos, eles estarão ligados em perfeita harmonia. Nessa fase não existe o sol, nem terra ou o mar, mas uma unidade de tudo que Empédocles denomina como sendo ESFERA. As almas também seriam constituídas pela união dos quatro elementos e sofreriam a ação das forças do amor ou da amizade e do ódio ou da discórdia. Ao contrário do domínio do amor, no domínio do ódio existiria a dissolução dos elementos e formar-se-ía assim o caos. Quando o caos está instalado os elementos começam novamente a se unificar começando um novo ciclo. Para que o mundo exista devem existir tanto os elementos positivos quanto os negativos, pois se existir somente o amor ou a amizade todos os elementos formariam apenas uma unidade compacta, sem finalidade ou vida.

5.4. Entretanto, se o universo fosse constituído apenas pela força do ódio ou da discórdia, os elementos ficariam completamente separados, na repleta desunião, razão pela qual o próprio cosmos não haveria de existir. Portanto, as coisas do mundo passariam a existir num período de transição que seria o do predomínio do amor ao predomínio do ódio. Assim o cosmos nasceria e se destruiria continuamente, dependente e por meio da ação das duas forças sobre os elementos.

Ademais, Empédocles parece ter-nos fornecido uma pequena teoria sobre percepção sensorial. Constam nos fragmentos alguns versos sobre o que se pensava acerca dos sentidos. Dos poros dos compostos mortais sairíam emanações que atingem diretamente os nossos órgãos de sentido. Desse modo, as conexões seriam realizadas por meio de um processo de reconhecimento e semelhança. Os compostos semelhantes tenderiam a se reconhecer. O que for fogo em nossos sentidos vai reconhecer as emanações que vêm do fogo; o que for regido pela água vai reconhecer as emanações que vêm da água. Somente com nossa visão aconteceria o contrário. Nela, as emanações partem dos olhos mas, da mesma forma, essas emanações vão reconhecer nas coisas o que lhe for semelhante. Para Empédocles nosso conhecimento está no coração e o veículo que transporta esse conhecimento é o sangue, posto que o sangue seria a substância em que os elementos podem ser encontrados em quantidade isonômica e pura. Parece-nos seguir a tradição homérica, ao referir-se às "frenas". Não se trata de um interioridade "pensante". Não haveria, aqui, indícios de uma concepção de alma.
Pelo contrário. O que nos parece, e, seguimos a orientação de Holbwachs, é que Empédocles dintigue, muito bem, o "homem que pensa, vive e sente" do "homem espiritual". Tais análises ficarão mais claras após o desvendar de Purificações - se é que isso é possível.

5.5. Na seqüência, compreendemos que haveria, em Empédocles, uma necessidade de se aproveitar e utilizar de todos os sentidos, para que, por meio do intelecto, possamos perceber as evidências que estão ao nosso redor. Evidências de uma realidade empírica? Talvez. Nada pode ser afirmado quando se analisa apenas uma quinta parte de uma obra inacabada. Sustentaria ele, ainda, uma teoria sobre a evolução dos seres vivos? Não no sentido em que, hoje, compreendemos evolução. Empédocles, aparentemente, compreende que no princípio da constituição dos comportos, havia numerosas partes de homens e animais - pernas, olhos, orelhas - que estavam distribuídas desordenadamente. Haveria, dessa maneira, uma primeira geração: a dos membros independentes. Mãos sozinhas, olhos boiando na Esfera, braços, pernas, sem corpo e disformes. Numa segunda geração, a dos seres oníricos, monstruosos, haveria homens com cabeça de boi, braços grudados em costas, répteis com faces de peixes, etc. Já na terceira geração, poderíamos observar formas constituídas. O que vingou dessas junções seletivas do amor, por meio do processo de reconhecimento e semelhança, permaneceria constituído porque adaptado. A quarta geração seria a das misturas das formas constituídas; a geração que hoje vivemos.

Para explicar a origem das espécies vivas, Empédocles parece conceber uma notável “teoria da evolução”, a partir da sobrevivência do mais apto, durante e após o processo de reconhecimento e semelhança do Amor. A título de exemplo, podemos citar o fragmento em que ele descreve que, no início, carne e osso surgiram como composições químicas de elementos, a carne sendo constituída de fogo, ar e água em partes iguais, o osso constituindo-se de duas partes de água, duas de terra e quatro de fogo.

5.6. A partir desses constituintes, formaram-se membros e órgãos do corpo não unidos; olhos fora das cavidades, braços sem ombros e rostos sem pescoços (KRS 375-6). Estes órgãos vagaram por aí até encontrar pares ao acaso; fizeram uniões, que nessa primeira fase resultaram com freqüência não muito adequadas. Disso resultaram várias monstruosidades: homens com cabeça de boi, bois com cabeça de homem, criaturas andróginas com rostos e seios na frente e nas costas. A maioria desses organismos do acaso eram frágeis ou estéreis e somente as estruturas mais bem adaptadas sobreviveram para tornar-se o homem e as espécies animais que conhecemos. Sua capacidade de reproduzir foi algo devido ao acaso, não a um plano (Aristóteles, Fis. 2, 8, 198b29).


6. Abordagem do primeiro poema: Sobre a Natureza

6.1. O primeiro poema de Empédocles é intitulado “Sobre a Natureza”. Observamos que, nos fragmentos disponíveis, Empédocles parece não só estabelecer vínculo com os pré-socráticos, os milésios, como também estabelece que a totalidade da physis explica-se a partir da multiplicidade de elementos - o que ele denominou, como já vimos, de raízes. São estas raízes que explicam a origem do Universo.

6.2. Neste poema é notória também a influência de Parmênides (515-449 a.C.). Desse modo, entendemos que Empédocles tentou resolver alguns problemas encontrados na teoria eleata da existência não criada do mundo. Procurou reconhecer que embora limitada, a experiência sensível era fundamental para o entendimento dos humanos, os mortais. Cada sentido dentro de suas limitações ajudaria a esclarecer as particularidades das coisas percebidas. Junto ao trabalho da inteligência, os sentidos poderiam ser um meio válido de formação do conhecimento adequado do mundo. Os sentidos abririam, assim, algumas passagens por meio das quais o conhecimento poderia ser iniciado.

6.3. O primeiro tema trabalhado, se assim podemos didaticamente enumerar, foi exatamente sobre a defesa dos sentidos.

No Fr. 2: “Reduzidos são os poderes que se encontram espalhados pelo corpo, e muitas são as mazelas que nele se declaram e que embotam o pensamento. Os homens contemplam na sua vida apenas uma parcela dela, depois, rápidos em morrer, são arrebatados e voam para longe como fumo [...]”.

Kirk, Raven e Schofield admitem que, aqui, está em jogo a noção de entendimento para Empédocles. Afirmam que Empédocles lamenta a compreensão extremamente limitada das coisas que a maioria dos homens alcança.

6.4. Seguem-se a este tema as idéias de: poder do conhecimento e descrição das quatro raízes. As quatro raízes do ser eram os princípios materiais básicos das coisas. Estas não teriam nascimento ou morte, mas estariam em movimentos cíclicos permanentes de composição e corrupção - como outrora exposto. Todos os elementos sempre existiriam e nunca seriam destruídos em sua totalidade, mas apenas separados de sua mistura original. Assim, não haveria o vácuo tão criticado pelos eleatas. As mudanças de estado da matéria ocorreriam pela ação das forças de atração (philia) e separação (neikós). Inicialmente, o amor que une a todos estaria no centro da esfera, a manter a unidade. Porém, com a atuação de fora para dentro da discórdia (neikós), a desagregação acabaria por espalhar tudo que estava unido.

6.5. Dessa forma, uma dupla solução parecia ser colocada ao problema trazido por Parmênides em torno de sua exigência sobre a unidade do todo. O ciclo de transformações parece permitir que cada ser composto da mistura de partes equilibradas de todos os outros elementos pudessem prevalecer durante um período de tempo específico. Destarte, nada deixaria de existir. Nascimento e destruição não passariam de etapas dos diversos ciclos de renovação eterna, sendo o universo o todo uno e completamente imóvel imaginado por Parmênides. Duas interpretações podem ser feitas acerca deste ciclo de nascimento e morte, provocado pelo conflito entre amor e ódio. Uma considerando o múltiplo, de um modo geral, uno pela soma constante da quantidade dos elementos que se mantêm apesar da destruição e reunião aparente de todas as coisas. Outra compreendendo a dissolução da mistura como um processo de formação de novos seres sem cessar. Por conseguinte, haveria geração e corrupção tanto na união como na separação. No fim tudo acabaria por preencher o espaço existente de maneira precisa, sem excesso, nem falta. As coisas seriam formadas, portanto, no sistema de Empédocles, a partir do conflito de forças existente entre atração e separação, que tudo uniria em sua esfera própria (num processo de semelhança).

6.6. A ignorância dessa verdade e todos os equívocos decorrem quando coisas dessemelhantes são erradamente relacionadas pelo pensamento humano. Fora a discórdia que provocara o movimento de separação das coisas que o amor, pelo saber, conseguiu reunir. Tudo que havia sido separado é, ao final, corretamente agrupado pelo conhecimento verdadeiro como na original unidade de antes. Sobre a Natureza, então, apresentaria os princípios gerais do que tornou possível o conhecimento de como os quatro elementos materiais poderiam formar a diversidade aparente, superando as limitações dos sentidos que impediam essa compreensão.

6.7. A transformação das substâncias, por nascimento e morte, provocada pela alternância de domínio entre o amor e a discórdia, era a principal causa dessa mistura e confusão também aparentes. Nesse sentido, toda uma cosmologia pôde ser elaborada sob o molde de uma esfera que tudo engloba, enquanto um vórtice faz com que o movimento caótico do turbilhão misture tudo. Em meio a isso, só a força de atração conseguiria novamente tudo juntar, em etapas evolutivas de criação e destruição, na disputa com a força de repulsão que levou à formação do mundo atual e a vida na Terra - incluindo as partes fisiológicas dos seres vivos e a percepção e consciência humanas. Estas idéias calcam um dos mais importantes fragmentos que temos de Empédocles, ou seja, a idéia de ciclo de mudança. É doxografado por Simplício e retrata o conceito de “duplo” como o sentido da natureza física.
O fragmento pode ser dividido em tres secções. Os versos de 1-5 falam-nos de um processo dual, constituído pela criação do uno a partir da multiplicidade, e, depois, da multiplicidade a partir do uno. Os versos 6-8 afirmam que este processo dual se repete incessantemente e explicam-no como devido a uma ação alternada entre o amor e o ódio. E por fim, nos versos 9-13, retomam-se dois pontos. Os versos 9-11 inferem o duplo nascimento das coisas, que estas nascem e não tem uma vida estável, já os versos 12-13 declaram, em virtude da sua incessante alternância entre unidade e pluralidade, elas são sempre imutáveis. Podemos concluir este poema com as idéias estruturais restantes que são: “agentes e substâncias do ciclo; a mistura das raízes; a esfera e o cosmos; cosmogonia; a zoogonia e a biologia”.