sábado, 8 de maio de 2010

Continuação: Seminário apresentado durante o curso "Sobre a Concepção de alma em Platão", na PUC-SP - Empédocles de Agrigento

7. Abordagem do segundo poema: Purificações

7.1. Nas "Purificações", observamos que as teses pitagóricas da metempsicose encontram-se transmitidas, pela primeira vez, por meio de uma obra escrita. Pelo menos, foi o que chegou até nós. Neste poema, o banimento por sangue (fruto da tradição órfica) e a dieta purificadora (ritual característico da época) são retomados para reforçar as idéias expostas antes em "Sobre a Natureza". Trata-se do mais antigo texto ocidental que se presta a revelar aspectos de seitas órficas vinculadas à metempsicose. Com o intuito de apontar o devido papel da alma, o ritual propõe que, para sobreviver a todos os passos de sua purgação, deve o indivíduo, daímon caído, homem errante, purificar-se até encontrar seu lugar junto à Esfera original.

7.2. Em seu poema “Purificações”, Empédocles parece combinar uma possível teoria da matéria com a doutrina pitagórica da metempsicose. Aqueles que cometem faltas graves – sejam divinos ou humanos – são punidos pelo Ódio que, como força indistinta, aprisiona suas almas em diferentes tipos de criaturas na terra ou no mar. Um ciclo de reencarnação oferece a esperança de uma eventual deificação para classes privilegiadas de homens: videntes, bardos, doutores e príncipes. Naturalmente, Empédocles teria se identificado com todas essas profissões. Em sua escrita, ele parece se mover equivocadamente entre um estilo austero e mecânico, e um outro estilo de caráter crítico-religioso. Algumas vezes ele faz uso de nomes divinos para seus quatro elementos (Zeus, Hera, Hades e Nestis) e exibe seu Amor para com a deusa Afrodite, a quem ele homenageia em termos que antecipa a frente “Ode à alegria” de Schiller (KRS 349). Sem dúvida, a afirmação de que ele mesmo se consideraria divino pode ser reduzida da mesma maneira pela qual ele demitologiza os deuses Olímpicos, embora tal atribuição tenha sido o que mais chamou a atenção de seus intérpretes, especialmente por conta das histórias lendárias sobre sua morte.

7.3. No Fr. 112 – de Diógenes Laércio, Empédocles reconhecendo que é venerado e se apresentando “não como um (mero) mortal, mas como um deus imortal” se afasta de uma suposta "sóbria filosofia materialista da natureza" e se abre ao inebriamento espiritual do Pitagorismo e das religiões denominadas mistéricas. Assim, ao reclamar para si uma natureza divina, Empédocles faz eco da auto-revelação de Hermes a Príamo, no último canto da Ilíada (XXIV). Suas palavras introdutórias ainda ressaltam a saudação que o morto, iniciado nos cultos-mistéricos, era acolhido, conforme Perséfone, nas “laminas de ouro” de Túrios (datadas do séc. IV a.C). Teria ele morrido em Túrios? Não há consenso.

7.4. Uma outra idéia que surge no poema está nas Inscrições Gregas que afirmam: “ó feliz e bem-aventurado, tu serás um deus em vez de um mortal”. A idéia de ser deus (dáimon) é pressuposta na dinâmica de que a divindade era uma vez mais atingível após um ciclo de encarnações. E esta idéia de reencarnar não estaria submetida somente às faltas, aos erros que diluíram o estado de graça do sujeito, mas percebe-se que a dinâmica da reencarnação é própria da religião mistérica.

7.5. Quanto ao ciclo de reencarnações, podemos perceber dois momentos específicos: Primeiro com a promulgação do decreto e, seqüencialmente, com o suplício da encarnação. No fr. 115 – que revitaliza o oráculo da Necessidade - Empédocles estaria a afirmar que alguns dáimones, espíritos de longa vida, erram e poluem seus membros com derramamento de sangue (comer carne) e falseiam o juramento que fizeram pela quantidade de erros. Tais dáimones caídos nasceriam durante [tres vezes dez mil anos] em toda a casta de forma mortais, que mudam de um para o outro nos penosos caminhos da vida.

Frag 115:

[A força do ar persegue-o ate o mar, o mar o cospe para a superfície da terra, a terra o lança para os raios do sol resplandecente, e o sol para os redemoinhos do ar, um recebe-o do outro, mas todos o odeiam. Desse numero eu agora faço parte, desterrado dos deuses e errante, por ter confiado na tresloucada Discórdia].

Desse modo, Empédocles parece nos deixar a sua visão sobre a existência humana:

“Pobre raça infeliz dos mortais”.

"...mísera condição..."

Ainda, verifica-se que o lugar para onde se deslocam as almas, em alguns momentos, é descrito como uma gruta. Ao voltar ao mundo dos vivos, Empédocles diria no Fr. 126 que o dáimon retorna “revestido com uma alheia túnica de carne”. Assim sendo, os fragmentos 118, 119, 120, 122, 124 e 126 denotam a descida do próprio Empédocles a um lugar de suplícios. Neste local estavam reunidos outras espécies de dáimones. Num outro momento, numa espécie de gruta, os dáimones eram revestidos com uma espécie de carne alheia e submetidos a forças contrárias que regem a existência mortal. Tal é a nossa interpretação.

7.7. Quando se apresenta uma certa esperança de libertação do ciclo, Empédocles retrataria essa esperança como sendo a ascensão de um dáimon por meio de um esquema disposto da seguinte maneira: (a) Há um estado original (divino); (b) Há erros e encarnações para purificá-los. (plantas, feras e homem) e (c) Há o retorno à condição original – deus - após o cumprimento dos rituais de purificação e ausência de cometimento de erros. Quando a alma se aproxima de estado de divindade, dá-se ao indivíduo a condição de dáimon.
Aqui, Kirk e Raven fazem alusão a escatologia da religião dos mistérios pitagóricos, sobretudo pelo Fr. 133 de Píndaro, que dispõe: “Aqueles, de quem Perséfone recebe expiação por um antigo sofrimento, no sonho ela de novo lhes devolve a alma ao sol lá do alto [...].

7.8. Nos fragmentos 128 e 130, Empédocles parece nos revelar suas noções sobre os rituais e sacrifícios necessários para o alcance da condição original, bem como algumas idéias sobre teogonia. De certo modo, ele teria corrigido a teologia tradicional e oficial afirmando que o Amor, e não Kronos, foi originalmente o deus supremo. A título de exemplo, temos a passagem do poema Sobre a Natureza, quando Empédocles parece referis-se a Esfera e ao domínio absoluto do amor sobre as raízes. Posteriormente, se seguirmos a obra de Kirk, Raiven e Schofield, eles passam a tratar do derramamento de sangue e do canibalismo expostos nos fragmentos em períodos distintos. Encontramos, nos fragmentos 135 a 137, referências sobre o erro mais grave: a matança de seres vivos. É por isso que Sexto Empírico pretende realçar aos nossos olhos o horror do derramamento de sangue e do consumo da carne ao extrair uma conseqüência da teoria da reencarnação, já referida por Xenófanes. A idéia é simples: ao matar um mero animal, talvez estejamos a matar um filho ou um pai.

8. Encontro dos poemas na avaliação dos estudiosos de Empédocles

8.1. A questão da relação entre “Sobre a Natureza” e “Purificações” permanece um enigma. O contraste não é apenas de humor, pois as doutrinas de salvação pessoal e metempsicose não podem ser facilmente conciliadas com o que os críticos consideram como "metafísica essencialmente materialista", no poema sobre a physis. A maioria dos intérpretes modernos têm esperanças de encontrar mais do que uma solução psicológica ou biográfica. Eles vêem a antinomia implícita nos fragmentos significativamente relacionada com a reputação do múltiplo Empédocles: ora filósofo, ora cientista, ora milagreiro. “O último dos xamãs grego”, um “Fausto”, “um Paracelso grego” são algumas das caracterizações mais sugestivas que têm sido propostas. Enquanto o poema religioso trai a influência do pitagorismo e vertentes afins, tendo sido Empédocles chamado por alguns de estudioso do orfismo e da psicologia, ou de "puritano grego", em seu poema cosmológico observa-se, inequivocamente, um desenvolvimento, mas com modificações cruciais, do pensamento de Parmênides. Parmênides de Eléia tinha deduzido que o real deve ser: (a) nascer e imperecível, (b)uno e indivisível, (c) imóvel, (d) uma realidade completa. Em razão das entidades familiares do mundo dos sentidos não estarem em conformidade a esses critérios, essas entidades seriam um "homem ilusão".

8.2. O que bem se vê é que não há consenso entre os intérpretes. De acordo com M. Halbwachs, Empédocles, em seus poemas, distinguiria a alma do pensamento, de modo a conceber dois “tipos de homem”: o que vive, sente e pensa (com o sangue do coração em que os elementos se misturam em igualdade) e o homem espiritual, o dáimon caído. Haveria o homem da sensibilidade/sensação descrito no poema “Da natureza” e o ser espiritual que reside no homem, descrito no poema “Purificações.

8.3. Entretanto, segundo Kirk, Raven e Schofield, é freqüente, entre os intérpretes, concluir que os poemas “Da natureza” e “Purificações” encontram-se em conflito, principalmente no que concerne à natureza da alma. É que o primeiro é, muitas vezes, analisado como proposta materialista, redutiva das funções psicológicas. De modo contrário, o segundo é interpretado como o poema que contém implícita a idéia de alma ou dáimon que um dia usufruirá de seu verdadeiro caráter incorpóreo, antimatéria. Não há no segundo poema nenhuma menção à “psyché”, mas por meio das múltiplas interpretações, observa-se a nítida permanência da doutrina pitagórica da metempsicose. A noção de dáimon em Empédocles nos remete ao encontro do “Eu”, um sujeito que sobrevive a todas as mudanças do ciclo narrado em “Da Natureza” e que se perfaz como eterno e ineliminável. E esse “Eu” sugere-nos, enfim, uma noção de alma, de interioridade eterna e imperecível.

8.4. Ademais, outras conexões entre os dois poemas supracitados podem ser concebidas por meio da análise dos fragmentos restantes e da doxografia. Desse modo, poderíamos relacionar o Fr.15, Plutarco adv. Colotem, 1113 d, do poema “Da Natureza” – que propõe uma existência que se prolonga para antes do nascimento e para além da morte –com a doutrina da reencarnação proposta nas “Purificações”: “Um homem versado em tais matérias não suporia no seu espírito que, enquanto vivem o que chamam de vida, existem todo esse tempo e lhes sobrevêm bens e males, mas que não existem em absoluto, antes de terem sido formados como mortais e depois de terem dissolvidos.”

8.5. O fragmento mencionado poderia nos parecer contrário a idéia de um dáimon e de um “Eu” imperecíveis, já que fala de um suposto não existir em absoluto. Porém, compreendemos que o argumento ora exposto, em verdade, reforça a doutrina da reencarnação, haja vista que não se sabe exatamente quais seriam as contínuas identidades do dáimon em suas respectivas transformações elementares, no desencadear da transmigração. Dessa forma, entendemos por bem compreender que, se todos os seres são corruptíveis, passíveis de sofrer mudanças, e apenas os elementos são imutáveis, nesse caso, a alma, o dáimon, o “Eu” seriam constituídos pela mistura dos quatro elementos puros, o que também os tornaria imutáveis e eternos, ainda que fisicamente modificados nas mais diversas manifestações naturais – daí a idéia da alma ser imperecível, imortal.

8.6. Nesse ínterim, haveria, então, conexão entre o ciclo dos dáimones (Purificações) e o ciclo dos elementos (Da natureza), além de uma espécie de princípio norteador primordial, um “nous”, uma inteligência que se predispõe em alma, espírito, pensamento. Esse “nous” se manifesta por meio das forças conflitantes de Éros e Neikós, e, mais uma vez se percebe a estreita relação entre os dois poemas.

8.7. Catherine Osbourne, em seu artigo “Empedocles Recycled”, chega, até mesmo, a nos propor a idéia de que, em verdade, não há dois poemas empedocleanos, mas apenas um poema filosófico-religioso, em razão de não se encontrar qualquer divisão dos poemas nos testemunhos arcaicos.

8.8. O que há são apenas evidências de que haveria somente um título “Katharmoi” e outros subtítulos ou classificações que indicariam o conteúdo da obra. E, de acordo com Catherine, os dois títulos atribuídos modernamente são, na realidade, formas alternativas de se denominar o mesmo poema, já que era comum entre os pré-socráticos o mesmo poema possuir dois títulos, como, por exemplo, em Protágoras (Alétheia/Kataballontes). O fato é que não há como se ter certeza de que se trata de apenas um ou dois poemas, dada a escassez dos fragmentos e a dificuldade em interpretá-los.

9. Fragmentos para análise quanto à concepção de alma em Empédocles

No Poema “Da Natureza”, sugerimos a leitura mínima dos fragmentos 2, 6, 7, 8, 13, 15, 17, 103, 107, 111.

No poema “Purificações”, sugerimos a leitura mínima dos fragmentos: 112, 115, 117, 119,

9.1. No livro “Corpo, Alma e Saúde”, Giovanni Reale demonstra como era entendido o conceito de alma na Grécia na época de Homero. Deixemos que o próprio autor fale: “A psyché nos poemas homéricos é a imagem do morto privada de consciência e de inteligência ”, ou seja, “a psyché não é a idéia da vida enquanto tal, mas a idéia da vida-que-se-vai e particularmente a idéia do morto”. Não havia a idéia da imortalidade da alma, pois ela não era o eu do indivíduo, mas o que restava dele depois da morte, representando apenas o que ele foi. Por isso a imortalidade só era possível pela lembrança das realizações humanas, dos gestos heróicos. O conceito evidenciado neste período foi o de eidolon.

9.2. Depois, vimos que os gregos daqueles tempos não tinham a idéia de corpo como algo unitário que representasse o indivíduo. Enquanto vivo, o corpo só era compreendido na sua multiplicidade, ou seja, cada função vital designada na narrativa homérica simbolizava o todo do homem naquele momento. O bater do coração (cárdia) ou o golpe dado com o braço faziam esses órgãos representarem, no momento em que eram enfatizados, o homem por inteiro, isto é, cada parte simbolizava o todo em determinado momento . No dizer de Fränkel: “O homem identifica-se, portanto, com a sua ação, e se deixa compreender de modo completo e válido pela sua ação; ele não tem profundidades escondidas [...] O homem homérico compreende-se muito mais no seu agir do que no seu ser ”. O termo “soma” era usado para designar o organismo depois de morto, e só aí era visto de forma unitária, mas justamente por deixar de ter qualquer função.

Por isso é que a idéia de corpo como algo único que representasse a imagem do indivíduo só foi possível depois que a alma passou a designar a personalidade de cada um, ou seja, “o ser”, o que só ocorre com Sócrates. Isto significa que a idéia física do homem como um todo só surgiu depois da idéia de alma como, no dizer de Havelock, “espírito que pensa, isto é, capaz tanto de decisão moral quanto de conhecimento científico, e a sede da responsabilidade moral, algo infinitamente precioso, uma essência única no reino da natureza ”.

9.4. Do alto de sua sabedoria - auto proclamada divina - Empédocles reafirmaria os ciclos de reencarnações, consoantes às fases de transformações que ocorreriam alternadamente, em ciclos de 10 mil anos, entre amor e ódio. Tudo por conta de um decreto (psephisma) que mandaria purificar todos os crimes de sangue cometidos durante o tempo vivido pelos humanos. Todos teriam de passar, portanto, por etapas de vida vegetal, animal e humana até alcançar a condição divina original, quando os espíritos (dáimones) poderiam finalmente se libertar. Quando tudo estava reunido em uma esfera perfeita, o amor dominava tudo e a amizade reinava. Contudo, a discórdia e seus rituais de matança tudo romperam, fazendo com que os seres se devorassem uns aos outros. Uma lei natural própria para tempos impuros.


10. O EMPÉDOCLES DE NIETZSCHE

Em seu universo Zoroastro, Nietzsche nos descreve um Empédocles divino, teatral, pomposo e pitagórico, conforme as mais diversas biografias apócrifas e lendárias do pré-socrático em questão. Na obra “O nascimento da Filosofia na época da tragédia grega”, Nietzsche analisa toda a vida e a obra de Empédocles a fim de nos mostrar a importância e a atualidade de seu pensamento. Ele também defende a hipótese, tratada por boa parte dos intérpretes, de que Empédocles teria sido banido de Agrigento e que, portanto, passou a vagar pela Grécia, tendo morrido no Peloponeso. Segundo Nietzsche, Empédocles vivia na tentativa de converter os gregos aos ritos sacrificiais pitagóricos, para que todos percebessem e apreciassem a UNIDADE de tudo o que vive. Diante do ciclo das transmigrações da alma tudo se torna uno: a planta, o homem e o animal, deuses – daí o “assassinato”, a “autofagia” em se comer carne. Para evitar o ciclo, necessária é a purificação total por meio dos ritos.

É dessa forma que, para Nietzsche, o pensamento de Empédocles revela-nos que tudo o que vive é um e que essa “unidade dos viventes” é fruto do pensamento parmenidiano da “unidade do ser”. O que o destaca é que Empédocles teria desenvolvido a referida idéia de maneira muito mais fecunda, em razão de sua profunda simpatia pela natureza. Não obstante tenha se especulado sobre o caráter apócrifo da figura lendária de Empédocles, Nietzsche crê que ele tenha sido considerado médico, curandeiro ou deus porque a finalidade de sua existência parecia ser a de sanar os males causados pelo ódio; “proclamar, num mundo de ódio, o pensamento da unidade e levar um remédio a todos os lugares onde aparece a dor” – Daí concluir-se por uma certa ética na physis empedocleana.

Ao compreender o universo como a pura contradição, Empédocles sofre e se culpa. É por meio do pecado e da auto-acusação que ele explicará sua presença no mundo. Em razão da culpa, Nietzsche o denomina de “poeta trágico”, de “contemporâneo de Ésquilo”, de “pessimista ativo”.

Trata-se de um “pessimismo ativo” porque a mistura entre as noções materialistas e idealistas se consolida apenas na atividade ética. O interessante no pensamento empedocleano seria, justamente, a tentativa de vincular instintos religiosos a explicações científicas. Vejamos.

Os mortais, deuses caídos e punidos, agora condenados a errar pela Terra, local de dor, podridão e sofrimento, supostamente, só poderiam encontrar a paz e a ordem por meio de um princípio: o Amor. Dessa forma, Nietzsche sustenta que o ato sexual seria, para Empédocles, o que há de mais nobre e contrário à Discórdia – ao contrário de alguns intérpretes que consideram que “Purificações” é um poema que proclama a abstinência sexual.

O ato sexual seria a atitude nobre por excelência porque tudo o que está separado aspira a se reunir. Um dos problemas centrais do pensamento de Empédocles é, justamente, a nostalgia do semelhante. É por isso que o verdadeiro pensamento de Empédocles poderia ser acolhido como “a unidade de tudo aquilo que se ama”.

A luta entre Éros e Neikós é que dá origem a todo vir-a-ser e toda destruição (que nunca é total, absoluta). Nesse sentido, até mesmo os deuses vieram a ser e não são eternos; esses espíritos divinos não são motores de movimento, como em Anaxágoras. O amor e o ódio é que são.

De maneira a complementar, Empédocles substitui o “Nous” indistinto de Anaxágoras por Éros e Neikós, mais precisos. E, como não há finalidade nesse movimento, a adaptação é que toma a frente do problema: é a adaptação que determina o número de seres existentes - Pensamento, este, posteriormente desenvolvido por Darwin.

É que o amor não se preocuparia em adaptar, mas apenas em unir, e a afinidade é que guiaria os semelhantes até o encontro da combinação, por meio da alternância das forças motrizes.

O que Nietzsche de certa forma condena é o fato de Empédocles, possivelmente, não nos ter explicado quando determinada força prevalece ou quanto. A pluralidade das coisas ora é atribuída ao Éros, ora ao Neikós, que estão em tudo. Não existe o vazio de Demócrito: tudo é amor e ódio. E, ainda, para Nietzsche, o “erro” de Empédocles estaria em ter se utilizado de um reino de forças inexplicáveis, impenetráveis, reduzindo a ciência em magia. Por isso Empédocles é visto ora como médico, ora como mago; ora como poeta, ora como retórico, deus/homem, sábio/artista, rei/sacerdote. Empédocles, que põe fim à idade do mito, da tragédia e que dá início à idade da democracia, da oratória, do racional e da ciência é a contradição por excelência, ele é o homem agonal.

11. O EMPÉDOCLES DE HEGEL

Embora Hegel inicie seus escritos sobre Empédocles numa aparente tendência de afinidade com a sua filosofia da natureza, ele, na medida em que transcreve as observações aristotélicas, acaba por adotar a mesma posição de Aristóteles: Empédocles falhou na distinção, mas acertou trazendo-nos as idéias de unidade dos opostos e unidade de mistura, e quando coordenou os princípios do real e do ideal, os quais poderiam ser dispostos em seis etapas: fogo, água, ar, terra, amor e luta.

Ainda, Hegel ressalta que os elementos poderiam ser compreendidos por meio da seguinte distinção: de um lado, o fogo. E, do outro lado, a água, o ar e a terra. Seguindo as orientações e entendimentos de Aristóteles, Hegel acaba por descrevê-los, sem qualquer aprofundamento ou argumentação mais fecunda sobre a doxografia. Apenas concorda e cita Aristóteles, alegando que Empédocles é contraditório em si mesmo e que é mais poético que filosófico:

“Esta é a natureza da representação sintetizadora como tal, que a falta comum de capacidade de pensar ora procura reter a unidade, ora a multiplicidade, não conseguindo unir ambos os pensamentos.”(Hegel, Os Pré-Socráticos, pg 218)

Hegel termina por afirmar que o referido pré-socrático não desperta o interesse atual e que, em Heráclito, a síntese de Empédocles se mostra mais sábia e eficaz.





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