domingo, 13 de novembro de 2011

Amizade Estelar (Aforismo 279 - A Gaia Ciência - Nietzsche)

Éramos amigos e agora somos estranhos um ao outro.

Mas não importa que assim o seja: não procuremos escondê-lo ou calá-lo como se isso nos desse razão para nos envergonhar.

Somos dois navios, cada qual com o seu objetivo e a sua rota particular; podemos nos cruzar, talvez, e celebrar juntos uma festa, como já o fizemos - e esses corajosos barcos estavam lá tão tranqüilos, debaixo do mesmo sol, no mesmo porto, que se teria acreditado que tinham alcançado o objetivo, o mesmo destino.

Mas a onipotência das nossas tarefas separou-nos em seguida, empurrados para mares diferentes, debaixo de outros sóis - e talvez nunca mais nos voltemos a ver: mares diferentes, sóis diversos nos mudaram!

Era preciso que nos tornássemos estranhos um ao outro: era a lei que pesava entre nós: é exatamente por isso que nos devemos mais respeito. Para que a idéia da nossa antiga amizade se torne ainda mais sagrada!

Há provavelmente uma formidável trajetória, uma pista invisível, uma órbita estelar, sobre a qual os nossos caminhos e os nossos objetivos diferentes estão inscritos como pequenas etapas: elevemo-nos até este pensamento!

Porém a nossa vida é demasiado curta e a nossa vista demasiado fraca para que possamos ser mais que amigos, no sentido em que o permite esta sublime possibilidade... Acreditemos, então, na nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra.