terça-feira, 1 de novembro de 2011

Irreparável ausência - texto publicado no Jornal da Cidade de Bauru em 02/11/2011

Toda separação é uma espécie de morte. É morte porque pressupõe enterro, memória e dor. Enterra-se todo um universo de possibilidades e prazeres; enterram-se sonhos e sentimentos que se insinuavam eternos; enterra-se a si mesmo. A cabeça se volta para as lembranças de uma vida que já não existe mais, e o martelo da memória é insistente e desesperador. Ele teima em nos acompanhar. A dor é tamanha que até existir pesa. E como é pesada a carência, a falta que alguém nos faz!




É como se um pedaço da alma fosse milimetricamente extirpado. É como se a águia do mito de Prometeu viesse nos visitar todos os dias, arrancando de nós o que houve e há de melhor. E não há enxerto que substitua essas incisões. Não há cirurgia plástica que corrija a cicatriz de uma grande perda.




Cedo ou tarde, a marca da separação exibe os seus aspectos mais asquerosos, negativos, revela, definitivamente, o fim. Impõe-nos à habitualidade da ausência e à um resquício de culpa e punição, como se fossemos, nós, os homicidas do amor. Cada segundo que passa é um tormento a menos de saudade. Cada dia, cada mês, cada ano que transcorre é um caco a mais para se juntar ao que foi partido. E amar dilacera porque implica justamente na convivência diária e direta com a possibilidade decisiva do fim, ainda que se trate de um final cuidadosamente planejado.




Assim como a separação é semelhante à morte, o processo que nos encaminha em tal direção é como uma doença crônica, que se instala sorrateiramente, sem avisos, sem previsões e precedentes, sem diagnóstico ou cura. Induz-nos ao inconformismo revoltante: é a injustiça por excelência.




A irreversibilidade de um fato, a sentença última, é que torna o luto da separação um rito de passagem permanente, em que o hábito do sofrer se torna o medicamento que o leva adiante; a rotina torna-se o maquinário hospitalar que o ajuda a respirar todos os dias, e que o faz lembrar, às vezes, que ainda se vive, mesmo sem ele (a), mesmo sem amor.



E eu falo, nesse momento, de todos os tipos de amor. Se é que se pode classificar o amor. Porque viver nada mais é que amar, perder e morrer. Só ganhamos algo temporariamente; só há acréscimo, plus de vida, quando nos doamos em união. Quando lançamos mão de toda a nossa capacidade de amar, de querer bem, de ensinar e aprender, de crescer e construir mundos, levantar sonhos, compartilhar sorrisos na identidade recíproca do mais belo sentimento; no cuidado, carinho e segurança de saber que não se está só.




Não se deixem enganar pela enfermidade do afastamento. Ele é traiçoeiro e fatal. A finalidade, o sentido da vida é aquilo que fazemos dela. E o que mais vale é criarmos nosso sentido vital sem que, acima de tudo, nos afastemos de nós mesmos: o amor maior e primeiro.




A pior separação, a morte terrível é aquela que ocorre consigo mesmo. Quando nos dividimos e nos perdemos nos labirintos de uma individualidade distante, sem volta, sem retorno. Não há esperança para aqueles que se abandonam, e só agora eu enxergo que cada gesto não realizado, cada palavra não dita em tempo, cada afeto não compartilhado é que é, de fato, o cadáver que assombra, o verbo definitivo, o erro imperdoável, o irreparável.