sexta-feira, 17 de setembro de 2010

E não era azul...

Não desejava muito. Queria enxergar o pico do Jaraguá, alguns prédios, talvez um parque. Não era a altura que me impedia, era a atmosfera paulistana. Cinza não era somente a cor do céu; era a cor dos carros, dos fumantes, das janelas, das roupas, dos olhos, das árvores, das enchentes; era também a cor do tédio, do abandono, da solidão, do desespero e do fracasso. Em São Paulo, o odor era cinza, a velocidade e o metrô eram cinzas, a música era cinza e o corpo, aos poucos, virava cinza.

Reclamava do tom cinza e ouvia de volta: “ - mas você ainda não se acostumou à poluição de São Paulo?” Sejamos francos, eu não tinha do que me queixar. Vivia entre os acinzentados como uma negra medida, sempre a filtrar branquidões, sempre a expirar o que não me agradava. Não me acostumei nem ao cinza nem à cidade, e procurava colorir alguns cenários.

Maringá, ao contrário, era a terra dos pés vermelhos e a morada do verde. Mesmo com a frota intransigente de carros, eu podia desfrutar dos parques, dos mirantes, do céu estrelado, do sabor das cores fortes de um domingo à toa. Em Maringá, as folhas eram mais tenras, os bosques mais doces, o clima mais acolhedor e só a saudade era cinza.

De volta a Bauru, pus-me a fitar o grosso céu de fim de inverno e percebi que não era mais capaz de decifrá-lo. Um daltonismo se apoderava de mim, e o azul, a cor da vida, dava lugar ao branco opaco de delicadas neblinas. Não reconhecia o nublado e não distinguia cores. Da observação do mundo, do alto da minha janela, vejo a que distância estou daquilo que não consigo enxergar. A claridade me ofusca até o mais remoto pensamento. A aridez não me aponta caminhos.

Em Bauru, é o céu que me pede para cerrar as pálpebras, enquanto as árvores se insinuam como espantalhos e os carros lembram fantasmas errantes. É nessa cidade de gases quentes que a ebulição da vida tem se tornado um desafio, que o medo ronda não só as esquinas, mas todos os quarteirões, e que a angústia tornou-se o colírio dos adultos e das crianças. Numa estreita faixa cinza, verifico uma linha divisória no céu, que ora tende para o branco, ora para o negro. O azul fora esquecido ou intencionalmente dissimulado. Onde é que está o azul de Bauru? Em que bolso foi parar o nosso dia?

Dizem as más línguas que ele está aqui o tempo todo, e que eu é que preciso de óculos, podendo dispensar as daltônicas metáforas. Sem bolsos ou cartas na manga, longe dos requintes do que chamam hoje de literatura, bebo das tortuosas águas poluídas de um rio que não nasce em mim, revisito pinturas em tons pastéis, e deito à janela esperando pelo azul.

Sem lentes de aumento, cremando alguns conceitos restantes, em silêncio, aguardo o próximo instante de partida, a próxima cidade, ansiosa pela saudade cinza que ameaça o olhar, ansiosa pela fumaça cinza que ameaça a janela.