sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Meu primeiro lango-lango



Podemos dizer, sem maiores receios, que a memória é um labirinto que quase sempre nos prega peças. É nesse corredor dos efeitos do tempo que agora me ponho a pensar sobre a tarde poente que é a infância. Quantas saudades das traquinagens, do pega-pega, dos aniversários, dos esconderijos, das historinhas! Explorávamos o mundo e o tempo não existia.

É com um carinho de criança chorosa que me lembro de cada brinquedo, cada objeto que delicadamente fora projetado para que eu pudesse crescer. Lembro-me dos patins, que me faziam cair; do escorregador da piscina, do pula-pirata e do Sr. Batata. Os anos oitenta foram verdadeiramente incríveis não só pelas transformações políticas, ambientais, musicais, mas pela produção dedicada ao público infantil e pela diversão sem fim a qual nos entregávamos.

De fato, a diversão não é característica exclusiva dos anos 80. Mas eu me lembro muito bem de um brinquedo, em especial, que promoveu a diversão de muitas crianças da época: o lango-lango.

Lango-lango era uma marionete de brinquedo que, nos comerciais, se propunha como amiga da natureza. Era como que um guardião e podia ser encontrado em diversas cores e formatos. Cada cor do fantoche representava um elemento da natureza. O meu lango-lango era verde, era o protetor das florestas. Em formato de monstrinho, o verde-lango me permitia acessar um mecanismo de controle interno que, ao ser acionado, fazia com que o monstrengo proferisse pequenos socos. Os golpes eram tão fraquinhos que mal podiam ser sentidos. No fundo, o verde-lango era um brinquedo sutil e delicado, incapaz de disseminar o mal.

Saudosista e embriagada pela nostalgia de anos tão saudáveis, observo que em 2010 a escolha de algumas crianças ainda recai sobre langos-langos da vida. Temos um exemplo vivo em Bauru que está longe de ser um monstro, mas que, como guardião, pouco a pouco se deixa controlar por cruéis crianças supostamente legisladoras. Tais crianças, nada inocentes, na ânsia de dominar e destruir um brinquedo que nos proporciona tanto diversão quanto segurança, com suas sujas mãozinhas assumem o controle interno do jovem fantoche que, indefensável, consente em lutar contra o nada.

No ato risível de sua solitária luta, o executivo brinquedo tende a ser esquecido. Seria maravilhoso pensar num pozinho mágico que transformasse o boneco de borracha em efetivo guardião, mas não penso que essa transformação dependa de uma fictícia substância alheia. Cabe ao nosso querido representante lango-lango retribuir o carinho das bondosas crianças que o elegeram, acolheram e recolheram, com tanta estima, das sombrias prateleiras comerciais, e elaborar novos mecanismos de controle, que não mais o sujeite a crianças tão mal-educadas. Cabe ao nosso verde-lango abdicar das esmagadoras crianças e afastar-se dos velhos baús da amizade, para que não seja ele o próximo a ser trancado no baú.

Não se encontram mais langos-langos nas lojas; ele é um brinquedo raro e que ainda não fora esquecido. Se não me falha a memória, o lango-lango também chacoalhava a cabeça, para frente e para trás, como se concordasse com tudo, querendo cair no gosto das multidões. Entretanto, devemos lembrar que lango-lango não agradou a todos, e nem poderia. Lango-lango, o brinquedo, sabia que, apesar de anuir com a cabeça, haveria aqueles que por politicagem infantil, ou mera incompatibilidade, o desprezariam. Lango-lango, o representante-guardião, nada parece saber sobre antagonismos.

Nem todo mundo teve a oportunidade de crescer explorando a habilidade de um verde-lango, mas sabemos quem são as crianças que o querem esquecido, quem são as crianças que o querem explorado e quem são as crianças que o querem de volta aos lares.

Ah! Que saudades do meu primeiro lango-lango!