segunda-feira, 4 de julho de 2011

O Teatro da Sala de Espera

O desejo que tenho de que o mundo se realize perante os meus olhos agora, a vontade que sinto de ser espectadora e protagonista de minha própria vida, toda essa carga de possibilidade, imaginação e alheamento, todos os instantes de dúvida e não aceitação, de malícia e contradição, encenação e revolta, as tardes de tédio e insuficiência, tudo isso me insere numa classificação temporal e numa condição social que me retira de mim mesma e me joga nos confins do universo da juventude.


Num determinado período histórico, fora estipulado que eu deveria me comportar do modo correspondente ao que se espera de mim. Criou-se, portanto, a idéia, inicialmente romântica, do jovem como símbolo do desregramento e da liberdade, de tal modo que até mesmo os mais velhos e sábios passassem a desejar uma fonte que os encaminhasse inversamente no tempo e lhes devolvesse aquela época de vigor físico e ingenuidade.



Mas os nossos jovens de hoje não têm nada de ingênuos. Muitos não conheceram os horrores de uma ditadura que tentava calar, mas tantos outros morrem diariamente em conflitos políticos, religiosos, nas periferias ou em grandes centros urbanos. Podem eles não ter maturidade suficiente para compreender certas peculiaridades, mas muitos possuem um espírito contemplativo e um poder de criação que não caberia aos que se aposentaram da vida. A sagacidade de alguns vence de longe o rótulo da inocência, quando o assunto é música, sexo e embriaguez. Mas a juventude não pode ser reduzida ao jovem alienado e individualista que permanece imóvel e que só quer saber de se ausentar.



A alienação, a estagnação, a paralisia que se infiltrou especialmente em nosso país não é prerrogativa dos jovens. A banalização de tudo que outrora teve valor, o descontentamento, o tédio e o mascaramento, condições que nos dizem, hoje, ser pós-moderna, não tem sua origem na juventude. É um processo que vem ocorrendo desde a revolução industrial, quando as crianças, os jovens e os adultos passaram a tomar efetivamente um lugar na atual sociedade.



A partir de então, o hábito e tédio assumiram em nossas vidas o papel fundamental: o tempo como esgotamento de si.



Acontece que os jovens buscam justamente esse esgotar-se, porque sabem do caráter inexorável do tempo, e essa ansiedade natural que nos é atribuída nada mais é que uma resposta física a esse turbilhão de emoções ao qual nos entregamos. Aliás, o físico é reflexo desse momento transitório, mas único.



Os jovens têm a feição límpida, a pele ainda lisa, e se esforçam para manter essa imagem. Há uma imagem representativa da juventude que invoca a beleza, o sublime e a exatidão, e, de fato, muitos se esforçam para tentar resguardá-la. A imagem do jovem, muitas vezes, não é a representação do que ele gostaria de ser. A aparência provocativa nem sempre reflete o que há de mais sincero, porque, acima de tudo, somos atores. Encenamos, todos os dias, o papel que nos fora concedido por um diretor que desconhecemos; ensaiamos todos os atos, em nossa espera teatral sem fim. Em nosso palco, não queremos envelhecer, não queremos crescer, amadurecer, porque ninguém quer se aproximar da morte.



Sabemos que, cedo ou tarde, teremos de optar pelo caminho profissional, pelas instituições que estão por aí em atacado, pelo homem ou mulher amados. Afinal de contas, se se é adolescente, tudo o que esperam de você é que você passe no vestibular. Se se é jovem, esperam que você se forme, trabalhe e se case. Quando se é adulto, cobram que o casal tenha, ao menos, filhos saudáveis e, posteriormente, netos, com quais se possa brincar aos domingos.



Todos os planos de sua vida já foram anteriormente traçados, cabendo a você, jovem, dar apenas os contornos finais, escolher entre alternativas já colocadas e ofertadas desde que nasceu.



Só que ser jovem é mais que escolher. Ser jovem é saber controlar a ávida sede de viver e de experimentar tudo quanto possível. Ser jovem é materializar a ética quantitativa de Camus, em que o maior número de experiências possíveis se reduz no verdadeiro significado da intensidade da vida. Porque a vida não é senão uma sucessão ininterrupta de esperas, que somente fora das pausas de nossa ansiedade infantil, se completa pela obtenção do objeto esperado. Porque só então atingimos a vontade que nos move, a nossa vontade de viver.



Ser jovem é ser o grande afirmador da vida, porque insaciáveis e insatisfeitos, queremos sempre mais. É o inesgotável desejo de vida do jovem que faz com que nossos velhos sábios sintam inveja. No fundo, há um ranço para com os jovens, pela observação saudosista e retroativa a que estão imersos. E é tão somente pela perspectiva da lembrança e da esperança que jovem é observado. Lembrança do que todos já foram e esperança do que se poderá ser.



É a nossa magnífica representação que nos torna a chave para o futuro e a saudade do passado. Nós jovens somos os únicos que mantêm regularmente a específica capacidade de regeneração, porque, quando somos, inventamos e, quando inventamos, somos.