quinta-feira, 25 de julho de 2013

Das ações possíveis - Parte II


PARTE II

O autor maduro, sem máscaras, que abandona o sedentarismo e a letargia intelectual da minoridade (Aufklärung) e da gregariedade, afasta-se da tutela do outro experimentando a pluralidade da existência sob novas perspectivas de atuação e interlocução, de distanciamento e esquecimento, de modo que o saber não se deixa encarar como mero ato de força ressentida ou como manto protetor, mas como inov-ação distinta e acessível. Este ser diverso não é sismógrafo, é terremoto; não é o arauto, é a própria mensagem.

O promotor da originalidade não pode ser o homem da tradição, imerso em suas enfermidades morais e submetido aos determinismos metafísicos das escolhas e das valorações, das categorias redundantes, dos absolutismos lineares que insiste (ele) em logicizar. De igual modo, ansiar por um sujeito que se paute somente numa ação possível e efetiva seria um equívoco de minha parte, porque falo justamente do caráter e da natureza da multiplicidade. Se o autor-agente que estou comentando agisse apenas efetiva e possivelmente, então, meu contexto seria empreendido em nome de um sujeito totalmente livre e responsável, mas que é também produto dessa mesma tradição doente (portanto, não é novo).

 É por esse motivo que é preciso entender a proposta e o télos do texto, o desassujeitamento trágico ao qual me referi anteriormente e a noção de vida como o imperfeito jamais perfectível (porque a vontade é sempre a de um plus, a de um ultrapassar, exceder – poder).

O jogo é compreender que as ações possíveis e efetivas não são, de fato, ações morais e imorais às quais devemos nos regular, como reis das tábuas (ações efetivas são extemporâneas e visam a transvalorar todos os valores), porque ações morais e imorais não existem! Atribuímos (i)moralidade quando valoramos nossas atuações e o resultado delas, numa interpretação histórica de hierarquização e privilégio de tudo que não é instintivo, intuitivo; num gargalo linear de culpa, pecado e obediência que visa ao ideal e não passa de esgotamento do imperfectível jamais perfectível (vida).

E não só!

Também o sujeito de tais ações (efetivas) não existe; ora, ele não é livre ou responsável ou doente, porque, simplesmente, ele não existe: é apenas um jogo de superfícies hermenêuticas, extramorais, que se orientam pelo dividuum (e não pelo individuum). Nem moralidade, nem sujeição, nem reducionismo. O autor-ator ao proceder à revisitação de si, descobre-se como dividuum, desassujeitando-se, tornando-se chave para a inov-ação.

Os homens são fontes de valores, mas ao enxergarem apenas um único lado da vida, o diminuto, o tratam como se enxergassem o absoluto, um todo imóvel, visível e superior. Isto eu não eu posso conceber!

À essa percepção inovadora, divisora da experiência de autoria doo o significado de desassujeitamento, de dissolução do tradicional e do consciente (e isso engloba o que se imaginava ser o agir, interagir e o relacionar). Somente no enfraquecimento do superficial, na extensão da atenuação do ser (que ainda é ser) é que se pode criar aquilo que chamo agora de efetivo e possível (plural), porque é a subtração, o declive, o fado da tradição, mas também o fado daquele que se concebe como autor múltiplo e sedento; o declive é a condição do continuum e sabê-lo é o passo inicial para amplitude da inov-ação.

O abismo é a expressão que melhor caracteriza o novo porque compreende uma estrutura de pensamento que não é linear, mas curva: do mesmo modo que não existem ações (i)morais, não há nascimento ou morte propriamente ditos (continuum).

Permitam-me o contraexemplo:

Empédocles me chama atenção justamente porque anuncia que há somente composição e dissociação de elementos compostos - o que significa dizer que a vida é um vir-a-ser em união e separação (Eros e Neikos infinitos), nada mais. Nascer e Morrer são substantivos que nós grudamos ao acontecimento (que é muito mais amplo que o seu significado). Diz o sábio: dupla é a gênese das coisas mortais e também duplo é o seu desaparecimento, porque a duplicidade gera e destrói a união dos elementos.

Ora, o declive é precisamente a alternância do destino (harmonia), e a sábia visão cíclica que envolve adição e subtração (portanto, matemática) é a de que o uno aprendeu a “nascer” do múltiplo pela união (que é solidão circular), enquanto que o múltiplo aprendeu a se apresentar pela separação; tudo é força (a fonte de tudo que é mortal), é embate entre potências iguais em dinâmica e energia. Tomar o planeta como esfera solitária, como círculo, igual em todos os lados – eis o ensinamento astronômico de Empédocles! O tempo não tem duração porque é luta infinita em que ora predomina Eros (adição/multiplicação), ora Neikos (subtração/divisão).

O autor-ator-agente conhece essa oscilação e, portanto, a impossibilidade de agir sempre efetiva e possivelmente – daí colocar-se diante de novas perspectivas, como a do co-autor, do espectador, etc. Ressalto: a novidade precisa de tempo para revelar sua amplitude, ela não é imediata, não é precipitação.

Amigos do lento: é tempo de ouvirmos Neikos e diluirmos o “eu” em múltiplas vozes! O descolar-se de si agora é condição para a invenção, para o provável, para o desejável. Os mais desvinculados do rebanho são aqueles que ensaiam o novo. E o novo é inicialmente fraco porque é pluralidade de possibilidade, extensão, perspectiva; é hesitante porque cuidadoso; é pausado, retardado, demorado porque não é automático, imediato, resposta-vingança: aquele que experimenta o novo (que é o autor irreverente do movimento) é um fraco, é declive, abismo, ousadia em relação à hipertrofia do agir histórico. Ele se posta no umbral do instante, como “nuvem ahistórica” e prevê certo esquecimento (como força, potência, capacidade) do passado, do fardo da memória, de tudo que está enraizado, construído, encerrado em construções humanas, em tumbas artificiais que sepultam as intuições, volatizam os seres.

Nosso desassujeitado conhece Platão, e sabe que o esquecimento (e não a memória) é uma das condições de possibilidade de vida, de ação (efetiva e possível) e até de quase eudaimonia. Vincular-se ao peso histórico que paralisa, à prisão das lembranças, exemplos, à reverência dos modelos, padrões supostamente bem sucedidos, à esterilização, representaria um impedimento não só para o agir efetivo, mas para qualquer tipo de atuação de si. Parece-me necessária certa dose de desatrelamento, atrevimento devagar que privilegia o presente, numa amnésia afirmativa, num turbilhão de vida, e essas são qualidades próprias do autor expansionista do meu contexto que é um tipo que almeja ir além: do criador. (Continua...)