domingo, 23 de setembro de 2007

Mon dieu des les yeux gris





No dia em que tu partiste - com teus pés descalços, teus pés de aço, os mesmos que rompiam os brinquedos da minha infância - minha fé adoeceu.

Na tarde nublada em que tu partiste e me deixaste só, eu compreendi que o espaço era demasiado curto e que o teu tempo fora deveras pequeno para as minhas descobertas de chocolate-surpresa e para as minhas doces aprendizagens de castelos de areia.

Tu, que com teus olhos cinzas me fizeste enxergar a realidade sutil das coisas enfermas, o mesmo que tantas vezes me salvou dos oceanos de dor e das ondas que me afogavam agonias.

Tu, que tanto tinhas a receber e nada a oferecer, que foi o passivo mais amado, negaste a mim o que me era de direito.

Eis a cruel justiça divina dos homens!

Tu, que tanto quis e pouco fez
Tu, que tão apegado às causas nobres não fora capaz sequer de notar um filho...

Por que é que me abandonaste, meu pai?
Por que é que me deixaste no silêncio e na escuridão da cegueira do inatingível, sem ao menos me dar o direito do adeus?
Por que é me negaste o teu olhar nublado, de cinzas esverdeadas, tua mão protetora a me ensinar os primeiros passos e a tua insaciável avidez pela igualdade?
Por que não me permitiste a igualdade, meu pai?
Que deus é esse que não ama seus filhos?

(Eu sou o rebanho do mundo)

E eu, tão menina, já tão minha, tive de aprender a viver com a tua única dádiva: a ausência.

Aonde é que o Senhor esteve quando precisei, pai?
Por que amparaste a todos com teus largos braços e colo divino, repartindo o pão, enquanto me fazias prisioneira da culpa?


Não. O senhor não é mais meu deus.
Fiz promessas ao nada e o que foi que me restou?
Não há ensinamento.
Seus mandamentos me fazem rir, pai.
Dizem por aí que o Senhor está morto, mas só eu sei que você nunca existiu, que a única presença é a da ausência e que não há mais sentido para tua tardia piedade.
Somos sozinhos.

Hoje, tudo não passa de psicologia barata e meus gritos, abafados pela rouquidão da maioridade, esmagam minha fé com os falsos pisões de outrora.
Hoje, sei de tua inexistência, meu pai.
Sei daquele que não está entre nós.
Sinto por não poder calar sobre aquilo que me faz ter o ilusório sangue divino.

Hoje, te amaldiçôo, meu pai...
Eu te maldigo!
Fui adotada por um novo Senhor, um deus que me ensinou a ser Milena e que, acima de tudo, me ensinou a ser Tarzia.
E nesse reinado espiritual eterno, não há lugar para charlatões.

Hoje, eu não te acredito mais, pai.

Eu não te acredito!