domingo, 23 de setembro de 2007

Não digo flores, imagens ou sorrisos.
Breves palavras com sabor de gente dão apenas a idéia de sonoridade perfeita: um quadro na sala, ao som da nona sinfonia.
Mas não é preciso música para dançar nem tampouco idéias para escrever.
O que me incita é o que me faz cravar os dentes.
Cada roer de unha, cada estímulo cerebral, cada nova letra, dita, ouvida, lida, é um filho nascendo do inacabado.
Por isso, não é bastante percorrer linhas, vidas, céus e inconscientes; é preciso o fel dos deuses. Transbordar cores, absorver toques, inventar realidades, suscitar o novo, conhecer verdades inatingíveis, casar-se com o inaudito e aliar-se ao impronunciável: não é o bastante.
Antes de tudo, é preciso ter vida.
De que adianta tua existenciazinha parasita e ignóbil, em um mundo de ferrões e cicatrizes?
Não basta ser grande ou inteiro; antes, é preciso sê-lo.
Tens o medo dos infiéis, a angústia das crianças e as mãos nos bolsos; que queres, pois? Adorações em altares?
Não. Não ateio fogo em padecimento.
Não adestro pequenos cães ou cegos.
Não me é possível ensinar o que é meu.
Da observação do mundo, do alto da minha janela, vejo a que distância estou daquilo que não consigo enxergar.
A claridade me ofusca até o mais remoto pensamento.
Mas tendo minha mão como inimiga mortal, continuarei a tatear, cegamente, tudo que há de me pertencer.
Sem bolsos ou cartas na manga, longe dos requintes do que chamam, hoje, de literatura, beberei os versos podres a que venho me acostumando, entre horas de insônia e gostos noturnos, para preparar o riso tardio de qualquer dia, entre a cama e a estrada.
Sem lentes de aumento, cremando alguns conceitos restantes, em silêncio, aguardo o próximo instante de partida, ansiosa pela fumaça cinza que ameaça a janela.